GANÂNCIA OU IGNORÂNCIA?
- acg747top
- 27 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de abr.
Acordo ao som do bem-te-vi. Memórias não tão recentes e sentimento de indignação passam na minha cabeça. Como era habitual acordar ao som dos passarinhos, mas hoje as matas tão verdes de outrora foram substituídas por uma floresta de pedra e concreto. Nem árvores e plantas temos mais na praça, no local onde moro, foram substituídas totalmente por equipamentos de ginástica. Estou saudosa, confesso. Recordo aos versos do poeta Augusto Branco: “uma saudade que mata, um não sei o que maltrata, tem que fazer doer o coração, perder o ar e a razão.”
As memórias não param. Elas lembram a morte recente do último rinoceronte branco do norte macho do planeta, que chorei ao saber pelo ICL Notícias. “Sentimental, eu sou. Eu sou demais”, igual à canção de Altemar Dutra. Choro também ao saber dos últimos acontecimentos: desmatamento na Mata Atlântica atinge a segunda maior taxa dos últimos seis anos. O bioma perdeu mais de 20 mil hectares em um ano, número equivalente a um Parque Ibirapuera desmatado a cada três dias, segundo dados da SOS Mata Atlântica e do INPE.
Continuo chorando devido às informações estampadas em jornais e sites. Dados de alerta de desmatamento no Cerrado em maio são os maiores da série histórica, diz o INPE. Até o dia 18 de maio, a área de desmatamento no bioma chegou a 627 quilômetros quadrados. Para efeito de comparação, isso corresponde ao tamanho da cidade de Taubaté, no interior de São Paulo. Tudo isso próximo ao dia da Mata Atlântica (27 de maio) e da Semana do Meio Ambiente, na primeira semana de junho.
Notícias ruins continuam ecoando: o congresso aprovou urgência do Marco Temporal, afrouxou o Código Florestal e votou uma medida provisória que tirou forças dos Ministérios do Meio Ambiente e Povos Indígenas em um dia. Os desmontes não param de pipocar. A mídia informa que a bancada ruralista tem como uma prioridade um projeto que prevê indenização para proprietários cujas terras passaram a ser consideradas reservas indígenas. A proposta de indenização aos donos de terras já foi aprovada pelo Senado e está em análise na Câmara. Tudo isso rolando ao mesmo tempo que deputados da oposição fazem guerra ideológica na CPI do MST e a mídia denuncia invasão de grileiros em assentamento regularizado pelo Incra.
Outro desmonte é uma bomba química: o avanço do texto que amplia o número de agrotóxicos que podem ser usados no país, apelidado de “PL do Veneno” por ambientalistas. A aprovação do PL do Veneno pode fazer com que o Brasil supere um triste recorde alcançado nos últimos quatro anos. A liberação do maior número de agrotóxicos da história do país.
Ganância ou Ignorância?
Agrotóxicos aumentam a produção, porém também provocam doenças nos seres humanos, a mortandade nos animais, a desertificação, as contaminações do solo e dos mananciais. A PL do Veneno, que flexibiliza o uso dos agrotóxicos, deixa trabalhadores rurais mais expostos a riscos e diminui o papel de órgãos reguladores, como a Anvisa e o Ibama, no controle dessas substâncias.
Segundo dados do artigo “Ecocídio nos Cerrados: agronegócio, espoliação das águas e contaminação por agrotóxicos”, 110 milhões de hectares do Cerrado estão ocupados por cultivos do agronegócio. Anualmente, ainda segundo o mesmo estudo, os cultivos de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão recebem, anualmente, cerca de 600 milhões de litros de agrotóxicos. Aumentando em muito as contaminações da população local, basta ler as notícias nos jornais, sites e redes sociais.
Tudo isso referendado pela Ciência. Ao menos 12 estudos publicados nos últimos seis anos no Brasil buscam avaliar o efeito da exposição aos agrotóxicos nas células. Os resultados indicaram que os agentes químicos podem provocar danos ao DNA e, por consequência, levar ao desenvolvimento de câncer. Um dos estudos revelou ainda que crianças e jovens que vivem em regiões com maior produção agrícola são mais propensas a desenvolver a doença. Coincidência ou não?
Os prejuízos são enormes. O projeto é rejeitado pela comunidade científica e defensores dos direitos humanos e ambientais. Mais de 300 organizações, como Instituto Nacional do Câncer, Ministério Público Federal, Anvisa, Ibama, Fiocruz e até a ONU, já se manifestaram contra a sua aprovação, apontando ameaças à saúde e ao meio ambiente. Aprovar o PL do Veneno é ignorância ou não?
Isso fez me lembrar as palavras do filósofo e ativista social Eduardo Marinho: - “Um dos grandes problemas da nossa sociedade é imensidão de necessidades artificiais. São necessidades que não existem. Você não tem. Você se sente um m... Por que sua roupa não é de marca? Não porque você é um cara ruim. Você é bom porque tem ouro, porque tem marca, tem grana, não porque você tem solidariedade, tem criatividade, tem sensibilidade. É o ter. O problema é o acúmulo. Você não se contenta. Você quer mais, mais, mais, mais ... E acaba sendo uma pirâmide com um punhadinho lá cima, que tem infinitamente mais do que ele precisa, mas ele quer mais ainda.” Isso nada mais é do que ganância ou não?
Ganância ou ignorância? Seja qual for a sua resposta, após ler esta crônica mostra que a nossa sociedade está doente e que precisa repensar o seu modelo civilizatório, caso contrário corre sério risco de exterminação, apesar do avanço das tecnologias.
Volto novamente as minhas memórias para finalizar com os versos do meu conterrâneo Caetano Veloso: “um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante de uma estrela que virá numa velocidade estonteante e pousará no coração do Hemisfério Sul, na América, num claro instante, depois de exterminada a última nação indígena e o espírito dos pássaros das fontes de água límpida mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias virá. E as coisas que eu sei que ele dirá, fará não sei dizer assim de um modo explícito. E aquilo que nesse momento se revelará aos povos. Surpreenderá a todos, não por ser exótico mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio”.

ANA GUEDES
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